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Gagacabana: desfile de fãs de Lady Gaga vira retrato da alienação moderna


Fãs celebram Lady Gaga na porta do Copacabana Palace com looks e referências de como a artista mudou suas vidas — Foto: Cristina Boeckel/ g1
Fãs celebram Lady Gaga na porta do Copacabana Palace com looks e referências de como a artista mudou suas vidas — Foto: Cristina Boeckel/ g1

Quando o Império Britânico quis dominar a China no século XIX, viciou a população em ópio. Hoje, a dominação cultural vem com glitter, discursos sobre “aceitação” e milhões de reais em investimento estatal para bancar espetáculos de ídolos pop — a exemplo do que ocorre nesta semana no Rio de Janeiro.


Do lado de fora do Copacabana Palace, palco da expectativa em torno da chegada de Lady Gaga, o que se vê é um verdadeiro desfile de personagens devotos. São os chamados little monsters, fãs da cantora, que vestem figurinos completos, desfilam pelas calçadas e prestam homenagens emocionadas à artista. Em comum, discursos sobre “autoconhecimento”, “liberdade” e “força”, embalados por uma indústria bilionária que gira em torno do entretenimento e que, não por acaso, atraiu R$ 30 milhões dos cofres públicos do Rio só para este show.


Tem gente com latas de cerveja presas no cabelo, como referência ao clipe de “Telephone”. Outros apostam em fantasias inteiras inspiradas em “Joanne”, “Artpop”, “Abracadabra” ou “Born This Way”. Há ainda tatuagens iguais às de Gaga e até fãs que fizeram chapéus sob medida em casa, com cola quente e purpurina, durante dias. Para muitos, Lady Gaga é “salvação”. Para outros, “inspiração espiritual”.


O DJ Cássio Villa, por exemplo, afirmou que vai à praia de maiô porque “a Gaga ensinou a ser quem se é”. Um engenheiro mecânico vindo de Goiânia disse que hoje tem uma “carreira sólida” graças à cantora. Já a comerciante Lilian Tupinambar, de Teresina, se derreteu: “Sou apaixonada, é inexplicável”.


No meio do fervor emocional, uma pergunta incômoda segue sem resposta: afinal, para qual grupo vai a maior parte do lucro desse megashow bancado com dinheiro público?


Enquanto a multidão se aglomera em nome do “amor próprio”, empresas patrocinadoras, hotéis de luxo e grandes nomes da indústria do entretenimento seguem colhendo os frutos. A fatura da festa ultrapassa R$ 90 milhões — sendo R$ 30 milhões pagos pela prefeitura e pelo governo estadual. A expectativa é movimentar cerca de R$ 600 milhões.


O prefeito Eduardo Paes (PSD) já adiantou que pretende repetir a dose anualmente. “Vai ter estrela internacional todo mês de maio”, prometeu. A promessa agrada ao setor hoteleiro, que já registra ocupação acima de 80%, e ao comércio local. Mas o modelo de financiamento e a ausência de prestação de contas transparente preocupam.


Em um Brasil marcado por desigualdade, caos na saúde pública e escolas sucateadas, ver o Estado investindo milhões em nome do “turismo cultural” pode até parecer estratégia — mas também pode ser distração.


O mesmo Estado que tira verba de hospitais aparece investindo em camarim de diva pop. E enquanto isso, a massa aplaude, se emociona e grita em coro: “Born this way”.


Quem ganha mesmo com esse culto? E quem paga a conta da alienação?


Com informações do G1.

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